Há coisas do Brasil louvadas mundo afora, e não me refiro às ações da Petrobras e da Vale. Falo do refúgio dado pela embaixada brasileira em Tegucigalpa ao presidente José Manuel Zelaya. Há coisas do Brasil verberadas País adentro. Falo da mesma posição que o resto do planeta aprecia e que já começa a provar seu acerto.
Coisas nossas, diria o sambista. Típicas. Clássicas. Com raras exceções, a mídia nativa condena irreparavelmente o presidente Lula e o Itamaraty, réus por terem garantido abrigo a um presidente deposto por mais um golpe de Estado nesta América Latina ainda tão distante da contemporaneidade.
Ou, se quiserem, de um ideal de contemporaneidade. Na situação, o mundo anda na contramão no confronto com a mídia nativa, aquela que Paulo Henrique Amorim, companheiro de muitas jornadas, denominou de PIG, Partido da Imprensa Golpista. Que a ideia do golpe a inspira e a atiça é indiscutível. Passou sete anos de governo Lula a cultivar a esperança do impeachment. Do mensalão aos pacotes de reais empilhados no vídeo da Globo. Até o risível episódio do pretenso conflito entre a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e dona Lina Vieira, ex-Receita Federal.
Tudo serve ao propósito de minar o pedestal governista. No momento, trata-se de explorar a questão hondurenha. Candentes aos editoriais, ainda redigidos no tom, na letra, no conteúdo, no mesmo estilo que os caracterizava, começos dos anos 60, ao invocar o golpe enfim desfechado pelos carabineiros dos inextinguíveis donos do poder no final de março de 1964.
O tempo passa, e o pessoal não arreda pé do seu ideário. Ninguém se queixa se o monstruoso desequilíbrio social permanece e se o governo Lula fez pouco para avançar na direção de uma igualdade, indispensável, aliás, à realização de um capitalismo sadio e regrado. Enfurecem-se, porém, se o chanceler Celso Amorim autoriza nossa representação em Honduras a hospedar a vítima do golpe. E se Zelaya for amigo de Hugo Chávez, e se ele próprio curtir um sonho bolivariano, o que isso muda?
Observe-se que Lula tomou em relação a Chávez, e às suas particulares reminiscências e evocações de Simón Bolívar, comportamentos cautelosos. Astutos, até. O presidente do Brasil fia-se, com toda razão, nas perspectivas do futuro e na realidade do presente, e sabe que qualquer desenho chavista não atinge o País.
Que esperar da mídia nativa? É sintomático seu passadismo. Simbólico. E nada mais representativo do atraso de quem no Brasil se instala no topo da pirâmide do que a revista Veja, “última flor do Fascio”, segundo o já citado Paulo Henrique. Sintomática a sua larga tiragem, a apinhar a entrada dos espigões burgueses. A não ser que seja encarada como manifestação da vocação humorística verde-amarela. A última edição da revista da Abril supera os momentos mais inspirados da célebre Mad. O mundo se curva.
Fiquei em dúvida. Trata-se de interpretação satírica, ou de acusação ao vivo e a sério? De quem seria o imperialismo megalonanico do sinistro passarinho dentuço apresentado na capa da última edição se não o do Brasil de Lula? Tadinho, recém-saído do ovo... Se a metáfora não resulta de uma irresistível veia cômica, onde se abrigaria? Na embaixada brasileira em Tegucigalpa?
E no outro dia Paulo Henrique me disse que o PIG está na mão de três famílias: Marinho, Frias e Mesquita. Surpresa: Mesquita? Respondeu: “Arrendaram a fazenda para ficar com a casa-grande”. Voltei à carga: “E os Civita?” Sentenciou: “Detrito da maré baixa”.